O Dia 25 Abril de 1974 Duma Alentejana na Cidade

Fonte: FSNI - 25 de Abril, Rua Augusta - Foto: Gouveia

No dia 25 de Abril de 1974, tinha começado a trabalhar às 8 horas da manhã.

Aparentemente, era um dia igual a todos os outros.

No entanto, algo de estranho se passava, pois pairava no ar um silêncio pesado que se sentia na sala e se reflectia nos rostos fechados, na ausência de conversas, e nos ouvidos colados ao aparelho de rádio.

O telefone tocava incessantemente e as conversas mantidas com quem estava no outro lado do velho auscultador preto, eram quase em surdina, praticamente inaudíveis para quem estava ao lado.

Do rádio saíam frases, entoadas em tom solene e profundo: “ Aqui, Movimento das Forças Armadas”, “Pede-se à população que se mantenha calma e ordeira, e que evitem sair de casa”.

As vozes da rádio calavam-se e eram substituídas pela canção do Paulo de Carvalho.

Na cabeça da jovem Alentejana, nem as vozes da rádio, nem as conversas em surdina, faziam qualquer sentido.

O que diabo se estaria a passar?

Porquê tanto mistério? Porque é que ninguém saía de casa?

Durante toda a manhã o mistério permaneceu, denso, e a inquietação começou a revelar-se.

Com a curiosidade e a ingenuidade próprias dos 17 anos começaram as perguntas: “o que aconteceu?, porque é que não podemos sair de casa? “

A resposta era sempre a mesma: “está a acontecer uma revolução e é perigoso”.

“Perigoso porquê? O que é uma revolução? E, para estas perguntas não havia resposta.

 À tarde, a curiosidade ultrapassou os medos do desconhecido, e a Alentejana saiu de casa e começou a andar em direcção aos jardins de Belém. Ao longo do trajecto, pela Rua de Pedrouços, começou a ver as pessoas todas na Rua a andarem apressadamente, em todas as direcções, e, pormenor curioso, todas tinham na lapela do casaco, ou na mão um cravo vermelho.

A jovem Alentejana, que em cada dia se surpreendia com a cidade grande, tão diferente do mundo que até agora conhecera, foi ficando cada vez mais “afoita”, perdendo os medos e começou a reparar que as pessoas estavam alegres, não tinham ar de quem tem medo, e que, sem razão aparente, se cumprimentavam, abraçavam e riam, numa alegria que contrastava com os semblantes soturnos do dia anterior.

Era tudo tão diferente do dia anterior. Até parecia que estava no ambiente de aldeia, onde as pessoas se conheciam e falavam entre si.

Já era noite, mas as pessoas continuavam nas ruas, juntavam-se em pequenos grupos, e, nalguns casos, cantavam canções que eram desconhecidas, que nunca se ouviram no rádio.

Quando regressou a casa, foi surpreendida com uma pequena reunião.

O objectivo era explicar o significado do que estava a acontecer.

A informação, porém, não satisfazia minimamente a curiosidade daquela jovem.

Frases como: A situação é grave; Não sabemos o que vai resultar daqui; Pode estar para breve uma guerra civil, e outras deste tipo.

A alusão à greve civil fez acender de novo alguns receios, e vieram à memória as histórias contadas pelo avô Joaquim, antigo mineiro na Minas de S. Domingos, onde ele descrevia os horrores da guerra civil Espanhola, período que vivera intensamente e durante o qual exercera a actividade de contrabandista, já que a mina nem sempre tinha trabalho.

Mas, as palavras não conseguiam travar aquele sentimento de euforia que sentira quando andara pela cidade, pois lembrava-se bem da expressão de felicidade que as pessoas tinham, horas antes.

O resto da noite foi passado a ouvir as notícias que o rádio transmitia, e a euforia foi crescendo.

Agora, começava a compreender as palavras que a mãe lhe tinha dito quando se despedira dela: “não fales com desconhecidos e mesmo com as pessoas que conheceres, não podes falar mal do Governo (ela já sabia quem era o Governo, pois na aldeia havia uma televisão e falava o Sr. do Governo num programa que toda a aldeia se juntava para ver), podes ser presa”.

 Ah bem, então era isso, a Revolução, significava que aquele Senhor do Governo de quem a mãe tinha medo, e que até parecia simpático na Televisão do vizinho Zé, afinal, já não mandava, e começou a perceber que agora, já não podia ser presa, mesmo que falasse mal do tal Governo.

E foi assim que uma jovem Alentejana passou o dia 25 de Abril de 1974, um dia que foi “o primeiro dia do resto da sua vida”.

Dulce Reis

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