Intervenção de Alfredo Matos no dia 27 de Abril de 1974, no Parque, junto à Estátua

A luta contra o regime fascista – que muitos, embalados no processo de branqueamento em curso, apelidam de Estado Novo, que durou 48 anos, embora tendo como pano de fundo um horizonte de esperança – foi árdua e carregada de sofrimento. Muitos barreirenses estiveram nos inúmeros combates em busca da democracia.

Os que lutavam no terreno em acções múltiplas, clandestino ou às claras, contra o regime. Os que, com a CDE, participaram, em 1969 no II Congresso da Oposição Democrática e nas eleições que ficaram célebres, Os que em 1970, no 1º de Maio, enfrentaram nas ruas a polícia de choque e a GNR e, a 3 de Maio, foram levados pela Pide para a Cadeia. Os que, Em 1973, Abril, participaram, em Aveiro, no III Congresso da Oposição, e, em Outubro, na dura batalha eleitoral contra a União Nacional fascista.

Foram tempos exaltantes que então se viveram. Os que, no dia 25 de Abril de 1974, 5ª feira, ao fim da tarde, no Largo do Casal, promoveram o primeiro comício. Os que, no dia 26, 6ª feira, no Cine-Club, realizaram uma reunião com a participação de lutadores clandestinos.

Os que, no dia 27 de Abril de 1974, no sábado, no Parque, junto à Estátua, promoveram uma grande concentração seguida de comício, que esta foto regista o momento em que estou a usar da palavra. Eis o que foi dito:

Amigos, Companheiros, Cidadãos do meu País!

Hoje, ontem, temos vivido as horas mais belas da nossa vida. Pela primeira vez em quarenta e oito anos podemos manifestar-nos livremente. A maioria de nós nunca viveu em Liberdade. Nunca soube o que era ser livre. Nunca sentiu este momento grandioso da nossa história. Muitos de nós, os mais descrentes diziam até «Ah! Isto não muda. Nascemos assim e morremos assim». Mas mudou! Mudou nos nossos dias! Que alegria nos invade! Especialmente aqueles que sofreram na carne as brutalidades o Regime que acaba de ser derrubado.

– O caminho para esta acção militar tem vindo a ser aberto por todo o povo.

– São os trabalhadores através das suas lutas de protesto com greves frequentes contra a subida dos preços e por aumentos de salários.

– São os estudantes que se manifestam e fazem frente à polícia de choque e aos cães.

– São os democratas integrados nos seus movimentos que por todo o País vêm impondo a sua actividade à luz do dia, apesar das prisões frequentes de dezenas dos seus membros.

– São os patriotas que na clandestinidade que há longos anos têm denunciado os crimes do regime salazarista e marcelista, com o sacrifício dos seus dirigentes muitos dos quais passaram dezenas de anos de prisão e foram barbaramente torturadas pela Pide.

-São os amigos católicos que têm vindo a denunciar abertamente os aspectos desumanos do regime.

– São os jovens que cada vez mais se têm vindo a lutar contra  uma guerra que não é sua.

– São os sindicatos, parte dos quais ocupados pelos trabalhadores, representando já cerca de 700.000, que vinham corajosamente denunciando o conluio do governo com o Capital.

» Foi, pois, todo o Povo, descontente, em luta que preparou o terreno para o êxito desta acção vitoriosa.

» Cabe-nos, então, prestar homenagem a todos aqueles, patriotas, soldados e civis que tornaram possível a Revolução do 25 de Abril.

» Curvamo-nos em especial perante todos aqueles que desapareceram, vítimas da tirania, sem verem o fim do regime odioso que acaba de cair.

O Glorioso MFA, composto especialmente por capitães, jovens militares, oficiais subalternos e praças, derrubou o regime por todos odiado.

Homenageamos os méritos desta acção. Gratos estamos às Forças Armadas.  Nunca mais nos esqueceremos!

Mas é preciso acrescentar que, no golpe militar vitorioso, o Povo também teve os seus méritos. Foi o Povo que abriu caminho e amadureceu as condições que tornaram possível o golpe militar. Há 48 anos que o nosso Povo luta contra a tirania. Há 48 anos que o Povo é torturado pela tirania.

Lado a lado com o MFA, devemos continuar o caminho que leve à eliminação da máquina fascista.

Dos milhares de agentes da Pide em todo o País, foram presos escassas centenas. Muitos deles andam à solta. São criminosos. É preciso entrega-los ao MFA.

Também há outros membros de outras força repressivas que procederam criminosamente contra a população; todos devem ser julgados, após se ter apurado o grau da sua responsabilidade.

 Amigos!

Estamos em hora de contentamento, mas não devemos amolecer a nossa vigilância, para que o momento que vivemos não posa voltar a trás. Não mais prisões! Nem tortura! Nem Pide! Nem Legião! Nem polícia de choque! Nem cães polícia! Nem ANP! Nem censura!

 Não estamos habituados a viver em liberdade. Ainda sentimos medo. Ainda desconfiamos. Devemos adaptarmo-nos com rapidez a novos hábitos. A tristeza deve desaparecer dos nossos rostos! A amizade deve ser a base da nossa vivência.

»Todos, em especial os trabalhadores, temos de construir um Portugal Livre, Progressivo, Democrático.

Em 1926 as FA instauraram o fascismo; em 1974 as FA restauraram a democracia! Só que, em 1926 foi o sector mais reaccionário das FA e em 1974 são as camadas progressistas das FA.

 Em 1926 foi instaurado o princípio de um longo período dramático. Em 1974 foi restaurada a democracia.

Vivemos um momento de glória! Devemos apoiar por todos os meios pontos justos para o Programa do MFA.

Sindicatos livres ! Fazer dê-les verdadeiras organizações dos trabalhadores.

Direito à Greve! Esta deve ser praticada como arma de luta dos trabalhadores.

Extinção efectiva da Pide!, da Legião Portuguesa, da ANP; de toda a máquina repressiva.

Abolição da censura! Os jornais, a rádio, a TV, toda a informação, toda a arte – não devem ter qualquer censura.

Reorganização e saneamento das FA!

Combate contra a corrupção!

Formação livre de associações políticas! Que não haja partidos clandestinos.

Luta contra a inflcção! Paragem na subida dos preços, Aumento de salários para que o poder de compra da população aumente.

Feriado no dia 1º de Maio! Deve ser um dia de festa, de convívio, de homenagem, de vigilância.

Tornar todas as colectividades verdadeiramente democráticas!

Fim de todos os monopólios! No fundo, os verdadeiros sustentáculos do fascismo.

E, para nós, como ponto mais importante – A guerra colonial deve acabar!

Portugal não será um país livre enquanto oprimir outros povos!

Nos somos uma Pátria – Portugal! Os angolanos têm uma Pátria – Angola! Os moçambicanos – Moçambique! Os guineenses e cabo-verdianos – Guiné e Cabo Verde!

Glória ao MFA

Glória ao Movimento Democrático

Glória aos presos políticos que acabam de sair das cadeias.

Glória à juventude progressista

Glória a todas as mulheres

Glória à unidade entre todas as forças democráticas

Glória a todo o povo português

 Viva Portugal! Viva a Democracia!

Um Abraço

Alfredo Matos

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