25 de Abril Distante! Um texto de Carlos Alberto (Carló) publicado em 2011

História tão real que, 37 anos depois do evento político inesperado para muitos e previsto para tantos outros, os que a viveram, de alma e coração, recordam a viajem política com um misto de glorioso Investimento popular e de triste oportunidade perdida.

Era a história de Abril em Portugal, quando cravos vermelhos, numa época de brilhante acção popular, derramaram o odor das esperanças de um Povo massacrado.

Naquela madrugada, Armindo acordara sem o mais pequeno vislumbre, de que algo histórico se acumulava nas ruas da Capital. Levantara-se meio entorpecido. Na cozinha, prepara o pequeno-almoço e enquanto mastigava a torrada, ao som da balada de Zeca Afonso, apercebe-se de que diferente a voz da Emissora Nacional estava dos outros dias.

Algo indefinido irrompia do rádio. Àquela hora música de reconciliação cultural não era habitual, contrastava com as manhãs musicais repetidas.

À fábrica, chegara intrigado. O semblante inusitado dos companheiros de trabalho voltara do avesso a sua rotina diária. Acontecimentos de dimensão incalculável estavam a acontecer na Capital. Algo ainda desconhecido alvoroçava Lisboa.

Rapidamente, tudo se esclarece e a boa nova chegara. Portugal acabava de se livrar do regime totalitário, retrógrado e nefasto para a vida nacional. Momento histórico, de que não fora capaz de avaliar a dimensão. Dia 25 de Abril, tinha-o como igual a tantos outros, afinal, os ingredientes políticos eram diferentes de tudo o que já vivera. Na fábrica, percebera a razão. A gestão popular dos acontecimentos, as minúcias e as grandes soluções revolucionárias que detonaram em Lisboa foram chegando como rastilho a todo o país e no Barreiro as ruas encheram-se de gente feliz. A Revolução de Abril tumultuara Lisboa e arredores, varrendo o regime de todo o território Nacional. Todo o mundo verteu espanto! Portugal com a sua Revolução chegara a todos os cantos do Planeta. De novo viajara por todos os continentes.

Armindo, operário na CUF, foi aprendiz, construiu edifícios fabris, afinou máquinas, produziu riqueza para a empresa ao longo de quarenta anos de trabalho, e se Abril não chegasse antes da sua aposentação, restar-lhe-ia o soporífero tinto na taberna onde vários outros reformados, antes da Revolução, alimentavam a ansiedade da vida aposentada. Abril chamou-o para a luta, integrando-se na família do novo país. Vira Abril rasgar os horizontes que o regime fechara ao Povo Português. Vira as gentes oprimida expandir alegria e ultrapassar uma época de fanatismo corporativo. Abril trouxera na bagagem, a liberdade e a democracia limpa de ferrugem política do regime.

A liberdade emancipou a educação e a cultura, de onde Portugal partiu para tudo mudar.

O povo construía novo clima social, mas, sem tempo para restaurar imperfeições, descurou a retaguarda onde se escondiam os vencidos naquele ilustre 25 de Abril. A intromissão de potentados políticos nacionais e estrangeiros em setenta e cinco marcou o retrocesso.

O sonho laureado de cravos vermelhos teve dias clamorosos de luz brilhante, rapidamente obscurecido por entre a ingenuidade popular que, sem maturidade política, caiu na balada de “democratas” ilusionistas, e autocratas propagandistas de rituais promessas vazias.

Quem viveu Abril não terá dúvidas que, trinta e sete anos passados, a realidade de hoje é a consequência da sua morte planeada. Anos a fio de políticas retrógradas semearam a desilusão e tornaram Portugal um lugar de pouca esperança. A decadência  infiltrara-se pela mão dos partidos que tomaram o poder do Estado, empurrando o país para a catacumba económica. Degrau em degrau, descendo ao fundo dos buracos, político, económico e social, Portugal, a nação mais antiga da Europa, refém de projectos que apontavam o céu do progresso, é afinal vítima do dito “Mercado”, a nova máscara neoliberal do capitalismo selvagem. Prestes a ser Terra de outro dono. Portugal precisa de acordar e fazer nova viagem com novos timoneiros.

Que falhou então? Pergunta quem tem dúvidas! E a resposta deve ser procurada por cada português decepcionado. Que fazem o homem e a mulher que hoje carregam aos ombros os últimos trinta e sete anos de história desperdiçados e no presente apenas vêem um tempo tumultuoso à mercê do fantasma neoliberal.

As injustiças percorrem a epiderme da sociedade portuguesa, infectando feridas que políticas agressivas abriram, inviabilizando a terapêutica social para que Portugal sobreviva como Estado independente e a sua história não se esfume no breu da pobreza.

Ameaças sociais fazem percurso diário pela voz de governantes calejados no logro político. O país não pode ficar refém da tragédia, um rebate de consciência nacional

poderá alterar o rumo da Nação. Cabe a cada português olhar-se no espelho e perguntar à sua imagem – que tenho feito para evitar que o meu país se tornasse um inferno para milhares de portugueses? E uma pergunta se impõe. – Elegemos políticos, que algemaram o país, ou não elegemos? – Boa parte dos sofredores tem sido o sustentáculo de comandos conservadores. A memória colectiva não pode ficar entorpecida, deixando que os mesmos permaneçam ou outros de igual estofo os substituam. Na linha do que significou a Revolução em 74, Abril não deixará de ser história real, atraiçoado é verdade, mas um dia voltará a ser o destino de Portugal. Está nas mãos e na cabeça da nova geração que não é rasca dar a volta em todo este manancial de desmandos!

Carlos Alberto (Carló)

Texto publicado em 2011

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