25 DE ABRIL – 50 ANOS, Alfredo de Matos

25barreiro33Dia 25 de Abril de 1974. Quatro décadas. Data memorável. No entanto, parece ter acontecido há poucos dias. Neste período de grande retrocesso social, é que a evocação daquela gesta gloriosa se torna maia necessária.
O que se passa hoje, quanto à governança do país, não era de todo previsível, há 40 anos. Uma questão se pode e deve colocar: porquê e por culpa de quem, tendo então sido derrubado um regime fascista; desmantelada a sua tenebrosa máquina política e repressiva; Posto ao serviço de Portugal e dos portugueses os sectores fundamentais da economia; Entregue ao usufruto dos trabalhadores da terra as grandes propriedades agrícolas do Alentejo e Ribatejo? E apesar destas profundas conquista civilizacionais que atingiram a esmagadora maioria dos portugueses, 40 anos depois, somos governados por quem se comporta como representante dos inimigos do 25 de Abril de 1974.
Percorramos um pouco os caminhos da resistência e luta que levou àquele momento ímpar da história de Portugal, de que assinalamos, hoje, 40 anos. Para tornar, se possível, mais exemplificativo, evocaremos fundamentalmente actos que ou tiveram a nossa participação ou decorreram com o nosso conhecimento e apoio. Remontamos ao ano de 1956.
Para trás deixamos imensas lutas, como as greves expressivas de 1943, que levam o poder fascista, brutal, a ocupar o Barreiro, pela GNR, com quartel localizado nas fábricas da CUF, que duraria até 25 de Abril de 1974. Barreiro esteve sitiado 31 anos!
Iniciaremos a evocação em 1956, referindo as lutas e movimentações em que participámos – Grandes manifestações populares promovidas pelo MUD Juvenil. Em piqueniques, para disfarçar, mas enfrentando o inimigo, sem medo, centenas de jovens concentram-se nos Casquilhos, na Mata da Machada, num pinhal em Palhais, sempre ao ar livre, muitas vezes sobre um prado coberto de papoilas: os jovens Convivem, merendam, trocam ideias, decidem tarefas, consolidam amizades, planeiam ações e terminam entoando pelos caminhos, cânticos heroicos. Nesse ano, no dia de S. Martinho, foi realizado um passeio-convívio a Alpiarça sob o pretexto de assinalar o 38º aniversário do Armistício da 1ª Guerra Mundial. Começa aqui uma vaga repressiva. Dezenas de jovens são presos nesse dia e nos meses seguintes: em Alpiarça – nesse convívio, no Barreiro – em suas casas e no dia 8 De Março de 1957 – por cima do Café Barreiro, onde largas dezenas de jovens comemoram o Dia Internacional da Mulher. Aqui são presas mais de cinquenta pessoas.
No ano seguinte, 1958, nas eleições para Presidente da República em que o candidato da oposição foi o general Humberto Delgado, após o Dr. Arlindo Vicente ter desistido em seu favor, há protestos em massa contra a gigantesca fraude eleitoral, muito sob a forma de luto, que chega às cadeias de Peniche e Caxias, onde estavam presos muitos jovens do Barreiro.
Em 1962, 1º de Maio. Manifestações e festejos, desta vez tendo o Parque como palco, a GNR – sempre ela – carregou sobre os manifestantes. Nesse 1º de Maio foi realizada uma acção de grande impacto – a inscrição de palavras de ordem contra o fascismo, bem visíveis, nas boias do Tejo.
Em 1963, iniciou-se a publicação do “Boletim dos trabalhadores da CUF” por iniciativa do PCP, de que fomos redator. Mais uma voz ao serviço de quem trabalha! Denúncia de injustiças no império CUF e expressão da organização política na empresa!
Em 1964, após recolha relâmpago, entrega na sede da CUF de um Documento reivindicativo com cerca de 5.000 assinaturas.
Nesse ano, o Presidente da República, o fascista Américo Tomás Inaugura a estátua do Alfredo da Silva. À passagem do cortejo presidencial deflagra um petardo, espalhando panfletos contra o fascismo, a guerra colonial, e também pela liberdade e pela democracia.
Em 1967, grande manifestação cultural contra o regime, no Ginásio do Luso. Cantores, declamadores e poetas da resistência. Cantar também é crime para o regime! Que noite inesquecível pela liberdade! Naquele memorável espetáculo, um autêntico concerto, talvez a maior e mais vibrante sessão de poesia e canto que encheu como um ovo o ginásio do Luso do Barreiro, no dia 11 de Novembro de 1967, um sábado, da iniciativa da Comissão Cultural do Luso e do Cineclube do Barreiro – cuja direção, liderada por Álvaro Monteiro, viria, por esse motivo, a ser presa pela PIDE.
Este foi mais um dos momentos em que tomámos nas nossas mãos a procura da liberdade que o poder fascista nos negava. Adriano Correia de Oliveira não cantou porque, como explicou, estava na tropa. Odete Santos declamou poetas como António Gedeão e Manuel da Fonseca. Teresa Paula Brito interpretou Para Não Dizer Que Não Falei De Flores e espirituais negros. O virtuosismo de Carlos Paredes e Fernando Alvim em temas como Verdes Anos.
Por fim, Zeca, acompanhado à viola por Rui Pato. Uma multidão, impensável, naqueles tempos e naquelas condições, repetia com insistência: “Vampiros”, “Vampiros”. O Zeca não queria, resiste até ao limite, mas era impossível não ceder ao pedido incessante da multidão. Foi um momento particularmente emocionante quando Zeca Afonso, perante insistência continuada, a que não resistiu, interpreta, no Barreiro, naquele local, naquele ano, àquela hora e para aquela imensa multidão, aquele libelo acusatório temível e sempre atual. Todas as emoções transbordaram quando, aquela Voz rompeu, como um grito, o momento de silêncio: Estava a viver-se um impressionante e indescritível acontecimento, de grande impacto na região que, num período de crescentes ações políticas contra o regime, empolgou o começo da movimentação dos democratas para o intenso período eleitoral de 1969.
1969, ano de grande movimentação contra o regime: em 31 de Janeiro, romagem ao cemitério do Lavradio e sessão popular comemorativa; em Abril, participação no Congresso da Oposição em Aveiro; participação de jovens nos movimentos unitários – MJT e MDM; no 5 de Outubro, desfile e romagem ao cemitério do Lavradio, em que participaram mais de 3.000 pessoas; perto do fim do ano, eleições para deputados à Assembleia Nacional precedidas de intensa atividade: mobilizar! Esclarecer! – No concelho e fora dele. No Barreiro, em todas as freguesias, o fascismo foi derrotado, mesmo nas urnas! CDE – 62%; ANP – 38%
Em 1970 – Uma multidão, cada vez mais compacta, percorre o Barreiro, em direção à Baixa da Banheira, para comemorar o 1º de Maio. Aí, a polícia de choque reprime com violência milhares de pessoas indefesas. É a besta fascista, enraivecida, no seu melhor estilo. Os manifestantes, mulheres e homens, muitos jovens, dispersam, para o largo do cemitério, a Quinta dos Loios, a estrada que atravessa a Baixa da banheira, a Quinta da Várzea, e mesmo até à Via-férrea, em aparente debandada. No meio do trânsito, completamente parado, com se fora de propósito, lá estava a camioneta carregada de brita que serve para armar a multidão de pedras que atira à polícia. A resposta não tardou. A polícia carrega sobre os manifestantes com mais força e começa a disparar, embora para o ar, o que origina a completa e irrecuperável dispersão da multidão.
Dois dias depois, a 3 de Maio, a Pide, de madrugada, prende oito cidadãos, antifascistas, no distrito de Setúbal, dois deles do Barreiro – Alfredo de Matos e Álvaro Monteiro – levados para as cadeias da Pide no Porto. Indignados, muitos populares, em número crescente, saem à rua. Desenvolvem diligências junto das autoridades locais para que os presos sejam libertados. Sem resultado. Ao fim da tarde já são milhares. A repressão desencadeada é bestial e não olha a meios. E aqui, o Café da Pilar e aquele largo entram na história
GNR, a cavalo, carrega sobre a multidão com grande violência. Quando a vaga de manifestantes desfila no Alto do Seixalinho, precisamente no chamado Largo da santa, a carga é brutal. Há correrias pelas ruas e pelos eucaliptos. Grita-se: Assassinos! Liberdade para os presos! Sobretudo mulheres e idosos entram no Café da Pilar. E acontece o inimaginável: O Café da Pilar, apinhado, é invadido por soldados a cavalo. Maria do Pilar protege os perseguidos. Esconde-os na pequena cozinha. O Café está a abarrotar. A confusão é enorme. É mesmo o caos. Há mesas pelo ar. Corpos espezinhados. Gritos de dor e de revolta. Há feridos… Para o Alto do Seixalinho, o Largo 3 de Maio – topónimo criado pela Câmara – e o Café da Pilar – com lápide evocativa na frontaria – é um justo tributo ao acontecimento. E as lutas prosseguem.
Em 1973 – Ano eleitoral para a Assembleia Nacional. E também: greve dos estivadores da CUF; Jovens exigem o voto aos 18 anos; participação no III Congresso de Aveiro com Teses coletivas; 5 de Outubro memorável com sessão no Teatro – Cine. Repleto! A luta está em crescendo. A exploração intensifica-se. A CUF, a CP e demais empresas e entidades praticam salários de miséria. O custo de vida aumenta. Milhares de pessoas participam com entusiasmo nos comícios da campanha eleitoral. Palavras de ordem são gritadas sem medo: fim da repressão! Abaixo o fascismo! Fim da guerra colonial! Liberdade para os presos!
O regime é um esqueleto corroído. Algo tinha de acontecer… Era necessário um empurrão para o desmoronar. E o empurrão acontece! O Movimento das Forças Armadas, numa ação bem preparada, leva-nos ao dia 25 de Abril de 1974.
O regime fascista é obrigado a render-se. A alegria regressa aos rostos dos portugueses, que apoiam massivamente a ação militar e imprimem uma dinâmica que transforma o ato militar em revolução.


Alfredo de Matos

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